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É para ontem!

 

 

Urgência é a palavra de ordem no tempo presente. Há algum tempo artistas e intelectuais têm apontado que a percepção do tempo se acelerou, fazendo com nos dias não caibam mais todas as atividades previstas. Esta sensação de que o tempo fora outrora menos veloz, no entanto, não se constitui como uma novidade. Foi a revolução industrial – ao desconectar o ser humano do fazer natural – que estabeleceu jornadas de trabalho e descanso em três terços do dia. Turnos para uma humanidade dependente da capacidade produtiva das máquinas e tempo como um tesouro valioso para todos aqueles que não possuem meios próprios para produzir sua própria existência, eis um dos paradoxos da modernidade.

 

Ao longo do século XX, toda essa capacidade inventiva – com seus aspectos positivos e negativos – foi ainda mais agravada com o advento dos novos meios de comunicação, que além de pressionar a sensação do tempo já acelerado, fez com que fosse possível sobrepor camadas de tempo e operar nelas simultaneamente. O mundo corporativo que obedecia às regras do relógio solar, hoje trabalha com equipes espalhadas pelo mundo que se debruçam sobre um mesmo arquivo ancorado numa nuvem. Também as informações e mercados digitais, que fizeram da sociedade um coletivo de consumidores de informações e produtos em laps de 15 segundos. O conjunto de todas estas pressões e condições tem adoecido as pessoas e o planeta, ambos mostram que o limite da exaustão está cada vez mais visível.

 

Os artistas, em uma realidade tão complexa, experimentam duplamente esse impasse temporal, pois vivem num mundo acelerado e produzem trabalhos que discutem os limites do tempo presente e todas as suas implicações na vida cotidiana. Discutir temas atuais e as urgências do mundo contemporâneo, é uma das formas mais eficazes de agenciar mudanças positivas através da produção artística. Assim, em É para ontem! Dez artistas apresentam individualmente questões inerentes às experiências de mundo que realizam e partilham com o público suas inquietações por meio de atos estéticos que ganharam corpo nos desenhos, pintura, objetos, colagens.

 

O grupo de artistas que apresenta esta exposição participou na Escola de Artes Visuais do Parque Lage do curso que investiga desenho, processos e práticas poéticas, conduzidos por Valério Ricci Montani.  O coletivo que esteve reunido ao longo do ano de 2023 é composto por Acácia, Anne-Marie Maculan; Cristiana Braga; Cy Tello; Gilda Nogueira; Kim Badawi; Marilene Nacarati; Silvana e Zilah Garcia, e apresenta aqui no Ateliê 31 suas visões e discursos que refletem sobre as demandas do meio-ambiente, das memórias, da tecnologia, das experimentações visuais, das relações históricas entre culturas, de mercado e outros. As obras expostas partilham uma compreensão experimental do desenho que, ampliado em suas potencialidades e características tradicionais, permite que o ato criativo integre aos trabalhos outras formas de se pensar e produzir arte na contemporaneidade. Além disso, as obras apresentam diferentes materiais e técnicas que atravessam gerações, seja por sua continuidade – caso das técnicas – ou por sua permanência estendida – caso dos materiais –.

 

Importa destacar, por fim, que apesar do nome que define a exposição não desejamos que a lógica atual da percepção temporal ganhe vulto entre nós. Ao contrário, o convite que fica estabelecido é que cada visitante possa experimentar e fruir com tranquilidade os instantes de interação com as obras, permitindo que cada uma delas transmita o seu discurso e componha uma narrativa que nos coloque no coração do tempo.  Pois, somente a atenção ao presente pode garantir uma compreensão lúcida do passado e uma visão nítida do futuro. Afinal, há tantos sonhos a sonhar, futuros a imaginar. É preciso que haja tempo para tal.  Quanto resta do sentir e do sonhar? O que é urgente realizar e imaginar? O que falta concluir ou fomentar? Tudo isso “É pra ontem!”

 

 

Shannon Botelho

2023

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