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“A Terra”, “terra”, “minha terra”, “nossa terra”, “a terrinha”…

 

Em Terra, a exposição, Zilah Garcia (Olímpia, SP, 1967-) apresenta sua pesquisa sobre o trânsito entre os variados usos e significados dessa palavra, que se materializa em uma série de obras que conjugam o caráter conceitual com o fazer manual. Seu ponto de partida foi Os Sertões (1902), de Euclides da Cunha. O clássico da literatura nacional ajudou-a a compreender melhor as histórias que seu avô contava sobre Antônio Conselheiro (1830-1897), o beato conhecido pela profecia de que o sertão vai virar mar.

Em 1893, ele fundou o Arraial de Belo Monte, em Canudos, no sertão baiano. Pioneiro em ocupar um latifúndio infecundo para dar um uso produtivo à terra, em benefício dos próprios camponeses, o projeto prosperou, atraiu milhares de brasileiros e provou que o semiárido só poderia ser um problema de natureza política: o que foi uma denúncia e uma revelação. As tentativas de apagar a ambas da História começaram com o Estado exterminando os integrantes da comunidade, na chamada Guerra de Canudos (1896-1897) – e ainda não terminaram. Essas estratégias não contavam com o fato de que o símbolo maior dessa Canudos é a terra, implacável.

Por ora, o ponto de chegada da investigação da artista foi uma imersão na Canudos de hoje, na qual a terra permanece. Sua exuberância, que hipnotiza o olhar, é feita da seca, em suas diversas intensidades de interação com a umidade, que estão muito além da rocha, da terra seca, do barro ou da argila. Em Terra, a exposição, todas essas camadas – históricas, simbólicas e plásticas – se sobrepõem e se confundem, sem que haja uma única obra de cerâmica, ponto fundamental para dimensionar o trabalho que Zilah Garcia desenvolve.

Nas artes visuais, é razoavelmente recente a admissão da terra como matéria elegível, pois ela é estigmatizada devido ao vínculo com as artes populares. Esse uso foi desbravado por Celeida Tostes (1929-1995), a partir da performance, na década de 1970, sem reivindicar a legitimação da escultura nem abdicar das influências das tradições populares. Seu legado permanece na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, onde Zilah constrói a sua formação artística, colaborando com o aprofundamento dessa pesquisa.

Em Terra, a única escultura da artista paulista constituída de terra é na forma de rocha. Em outros trabalhos, a terra umedecida até chega a formar volume, mas em pinturas-objetos, nas quais é, também, pigmento, resultado de uma pesquisa de fôlego, cuja técnica exige um rigoroso comprometimento físico. E Canudos, a terra de onde Zilah parte e chega – tanto a de Euclides quanto a construída pela memória dos descendentes dos sobreviventes do massacre – tornam-se, essencialmente, Terra, o filme e a instalação.

Por fim, é inadiável escutarmos as palavras do profeta: cuidemos da Terra e não da seca. Quem sabe, ainda é possível adiar o dia no qual o mar vai virar sertão.

 

Daniele Machado

Curadora

Fotos: Jaime Acioli

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